Olhar do Curador

O tema de curadoria da Mostra neste ano nos convida a pensar a relação com os territórios que nos atravessam. Ainda que os carreguemos conosco, como algo que nos habita, os territórios sempre nos ultrapassam. Há uma dinâmica muito particular que nos extrapola, que vai além de nossa própria memória individual, porque os territórios são feitos por experiências que projetam um coletivo. É essa vivência do comum, que nos permite questionar as fronteiras e ir além da própria ideia de civilização, porque o mais interessante não é aquilo que os territórios contêm, mas aquilo que escapa, que vaza. Nesta perspectiva, deixamos de percebê-los como entidades estáticas, com poderes de limitar os contatos, para que eles passem a ser os próprios laços que amarram as vivências individuais e coletivas. É esta ideia de território que está no projeto musical Al-Mu'tamid - que compõe a programação desta 12a edição da Mostra Mundo Árabe de Cinema - como algo que não deixa muito claro qual é seu início e nem seu fim, mas que percorre, pelo caminho da poesia, da música e da imagem, a noção de continuidade, daquilo que permanece e nos remete ao que temos em comum.


Os filmes em 2017 tratam do deslocamento de pessoas, assim como da reconstrução de um sentido de lugar, das dúvidas que assolam aqueles que decidem, ou são forçados, a sair. Qual o momento decisivo para aqueles que deixam suas casas? Como esta decisão é tomada? Qual a perspectiva temporal, qual a ideia de futuro para aqueles que são proibidos de retornarem às suas casas? Imagem e som são formas de permanência, de perpetuação de narrativas daqueles que migram ou que estão sujeitos ao exílio e o refúgio. Neste sentido, a Mostra trará também filmes que são registros de momentos históricos importantes, particularmente para aqueles, como os palestinos, cujos arquivos são objeto de um duplo apagamento, material e simbólico.


Uma curadoria é uma forma de sugerir uma leitura possível da realidade, de oxigenar perspectivas que nos afastem das simplificações, do senso comum e da angústia para que ofereçamos respostas em um mundo no qual a violência sistêmica não nos facilita visualizar sequer as próprias perguntas cabíveis.


O que podemos tentar, em um esforço modesto, mas consciente, é vislumbrar o papel do Brasil em tal cenário. Somos simultaneamente ponto de chegada e lugar de partida, pois nossa experiência histórica e cultural nos convida a ocupar este lugar do meio, do caminho, das veredas e dos movimentos de pessoas, línguas, culturas e ideias. É deste lugar particular que furamos nossas próprias fronteiras e ousamos sonhar outras relações entre os povos, mais horizontais e solidárias.

 

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Geraldo Adriano Campos
Curador e diretor artístico da Mostra Mundo Árabe de Cinema. Professor de Sociologia das Relações Internacionais da ESPM. Pesquisador da Cátedra Edward Said da Universidade Federal de São Paulo. Foi Curador Musical da Biblioteca Mário de Andrade entre 2014 e 2016. Atualmente é doutorando em Filosofia Política na USP, com pesquisa sobre o cinema palestino contemporâneo. Foi Presidente do Júri do Festival Latino Árabe de Buenos Aires (2013) e integrante do Júri do Festival do Minuto (2015);